22 de jan. de 2010

Joana D'ark, capital do Maranhão e um copo de requeijão.

São Luís do Maranhão, 2005.

- Qu'est-ce que tu fais?
Era uma daquelas entrevistas boring que você precisava de vez em quando para ver se encontrava alguém bom o suficiente para ser gerente de marketing da sua empresa, porém a verdade é que você sabe que alguém que ia para essas entrevistas geralmente não era bom o suficiente. Porque o que as empresas geralmente fazem é buscar o entrevistador e não aceitar o que vem. Mas você fazia assim mesmo porque era preciso e porque era política da empresa não desperdiçar nenhuma chance de encontrar alguém para o cargo.

Tinha um charuto em cima da mesa não porque fumasse mas porque achava que pessoas importantes teriam um charuto em cima da mesa. E exibia algumas das muitas premiações em marketing que ganhou lá pro fim dos anos 90, que, embora fosse muita coisa, ele também sabia que era muito fácil ganhar as coisas naquela época porque nos anos 90 todo mundo fumava maconha e ficava doidão e qualquer coisa que você criasse virava um hit para geração futura.
Então vestiu seu melhor terno Armani, o que impressionaria a moçoila mais sofisticada de qualquer evento em que fosse, e pôs-se a esperar em seu escritório. Já havia ouvido falar daquela pessoa que iria hoje para a entrevista. Alguns muitos elogios daqui, algumas premiações, porém nada que despertasse sua atenção.

E era uma mulher, também.

E não que você tivesse algo contra as mulheres mas elas são loucas. E o tempo em que passou com elas foi suficiente para perceber que qualquer uma surtaria se tivesse a profissão que você tem. Porque é preciso ser macho, mesmo, para aguentar tanta pressão. E ainda tem a tal da TPM, e a gravidez, e os sentimentos a flor da pele. Definitivamente alguns cargos não estão aos pés de certas mulheres. E você ia divagando a respeito de todas essas baboseiras que as pessoas costumam comentar nos livros quando de repente bate a porta e sua secretária anuncia:

- É ela, chefito.

E então ela entra. Mais cedo ele havia rido de seu nome. Joana D'ark. O que será que ia aparecer ali? Um homem com peruca? Talvez ele usasse essa brincadeira. Ou talvez não. Talvez ela nem conhecesse a cultura fr... e então ela entra. Cabelos ondulados na ponta e uns olhos cor de... mentira. É um homem descrevendo, cara: seios hmm é, dá para encarar e pernas também. Gostosa.

- Qu'est-ce que tu fais?

É a frase-padrão. É a carta na manga que Carlos tem quando quer impressionar alguém. Começa a falar francês, que para ele é uma língua fácil, pois tem um tio em Quebec e passou quase a adolescência inteira por lá. E sente falta das conversas em francês ou em inglês, que lutou tantos anos para estudar e desperdiça agora sendo diretor de uma empresa... brasileira. Não, ele tem que ir mais longe, ele precisa sair daq..

- ''Plurimum valet gallus in aedibus suis''.

Carlos ficou estático. Aquela mulher, ali, na sua frente, não só entendeu o que você disse como respondeu em outra língua. Ainda que uma língua morta, mas outra língua. Ainda que ele não fizesse a menor idéia do que ela tinha dito, porque ele nunca tinha aprendido latim, ela tinha dito, ali, aquela hora. E ele se esqueceu de que de todas as qualidades que as mulheres tem, ser charmosa é uma delas. E de alguma forma ele se apaixonou por ela ali.

Dez anos depois disso (sim, ele deu o emprego a ela), eles estavam casados e ela estava grávida de seu primeiro filho. Emocionado, ele comprou uma roupinha de bebê com um provérbio bordado em latim e deu para ela dizendo assim, no pé do ouvido:

- Foi o latim que fez eu amar você. Uma língua morta, Joana. Uma língua morta! Eu sabia que era um sinal desde que você tinha falado aquela frase, foi tão linda. Sua voz faz tudo parecer a coisa mais linda do mundo.

Ela deu uma risada e o beijou suavemente.

- E então, o que tá escrito ai?
- Ora, apenas leia. É em latim.
- Sei não.
- Você não sabe latim?
- Não.
- Então... como... que você disse .. ?

- Ah, aquela frase? Eu tinha lido num copo de requeijão no horário do almoço.

2 comentários:

Unknown disse...

palavras para que? Quem tem a palavra como um sentimento escreve dessa forma.. parabéns

Joyce Pfrimer disse...

adorei! haha!
texto muito bom!
=)